quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Foco na cena independente

Coluna publicada originariamente no site do Jornal O Povo.

Em meio a uma cena autoral sufocada pelas bandas cover, a Feira da Música de Fortaleza vem para tentar oxigenar a cidade com palestras, oficinas, rodada de negócios, estandes e, claro, shows. O festival começa amanhã, 18, e vai até sábado, no Centro Dragão do Mar e seu entorno

Alinne Rodrigues - Colunista 17/08/2010 01:30


Há três anos, a cadeia produtiva de música em Fortaleza levou seu primeiro baque. O rock perdeu o Noise 3D Club e o Hey Ho Rock Bar. Ganhou o Mocó Studio, que hoje fica mais fechado do que aberto; o Acervo Imaginário, que, é mais recente, apenas dança conforme a música - e ela é cover. Para os outros estilos, a dificuldade de se conseguir um palco é a mesma.

Há nove anos, agosto é sinônimo de Feira da Música. O formato cresce, renova-se, e o festival acontece, mesmo com a cena autoral passando por uma seca das bravas. Este ano, 50 atrações compõem a programação, sendo 14 nomes locais. Embora tenha-se a sensação de encolhimento na produção cearense, o evento bateu o recorde de inscrições: 297 da Capital, em uma seletiva feita através da III Mostra Petrúcio Maia, da Secultfor, e 544 do interior, demais estados brasileiros e de países da América Latina. “Avalio esse recorde como um aumento da produção dos independentes. Com os novos meios de informação, as bandas têm mais facilidade de circular, de se mostrar. No caso da Feira, a gente consegue divulgar as inscrições pro Brasil inteiro. Temos uma boa amostragem do que está sendo produzido no Brasil”, comenta o produtor Ivan Ferraro.

O que acontece por aqui é um fenômeno às avessas. A Feira da Música é um festival filiado à Associação Brasileira dos Festivais Independentes (Abrafin), tem uma boa imagem fora do Ceará, mas não consegue um diálogo sem ruídos com a própria cena. “A Feira da Música é o Encontro Internacional da Música, a feira de negócios e a mostra de música”, define Ivan. O formato atrai, todos os anos, gente do País inteiro, como Fabrício Nobre, produtor dos festivais goianos Bananada e Goiânia Noise: “Acho a Feira sensacional, um dos principais eventos do Brasil. É um grande encontro de agentes, produtores e bandas. Vai muita gente interessante, e a cidade é genial”, elogia.

Ao mesmo tempo, compositores como Alan Mendonça, um dos fundadores do Instituto Ceará Autoral Criativo, acham o evento equivocado: “Existe um foco em artistas grandes, projetos nacionais e dinheiro inserido nisso, e a cena local é convidada a participar sem cachê. Existe uma ilusão de vitrine. Sem cachê, o músico se sente inferior em relação aos de fora, então as políticas deveriam apostar no encontro dos artistas, em um nível de igualdade, do encontro humano, de poder bater papo”, opina.

Impressões à parte, a Feira da Música vem trabalhando para ser palco justamente para esse tipo de interação que Alan busca. “A Feira faz até demais nesse nosso ambiente árido: faz com que a produção independente local viaje o País sem sair de sua própria cidade. Afinal, que outro festival local traz uma parte significativa do melhor do jornalismo musical do País pra conferir o que temos de bom aqui?”, diz o músico Airton S., da banda Plastique Noir.

Este ano, o caráter do encontro deve ser intensificado: ele sai do Centro de Eventos do Sebrae e vai para o Centro Dragão do Mar. “O modelo tradicional foi desenvolvido pela indústria para vários produtos, mas a cultura e a música precisam de outro modelo, o mercado é diferente. É tradição se fazer negócios à noite, em bares, ouvindo música, tomando uma cerveja e fechando o contrato com o artista. Estar no Dragão do Mar, com uma vida noturna ao redor que propicia à negociação de música, vai ser mais positivo”, explica Ferraro.

Se a Feira da Música dá aos cearenses o que eles querem, por que eles ainda não sabem disso? Airton e Alan, de opiniões contrárias sobre o festival, dão a mesma resposta. “As bandas, os artistas também são público. Elas deveriam tomar parte do festival, já que os shows são só a ponta do iceberg e a circulação/acesso entre os palcos, palestras e estandes é livre”, diz o primeiro. “Todo mundo fala da criação de público, mas a própria classe artística não é público”, confirma Alan.

Ferraro é taxativo quanto à apropriação da Feira pela cena local: “Não falta nada para a cena acontecer. A faca e o queijo estão postos. O que precisa é trabalho. Uma banda não consegue circular e fazer a carreira porque acha que a música dele é a melhor do mundo. Não se trata de criar grandes estrelas. Temos um perfil diferente: nossos astros pequenos reunidos já iluminam o nosso céu sem a necessidade de grandes estrelas”.

EMAIS
Até ano passado, o Sebrae era sede dos estandes de produtos e eventos relacionados à música, além de oficinas e rodada de negócios. Este ano, os encontros acontecem no Auditório do Dragão do Mar e no Sesc Senac Iracema. Os estandes vão estar espalhados, ocupando da Praça Verde ao estacionamento por trás da biblioteca.

Os shows acontecem em três espaços diferentes, sempre a partir das 19 horas: na Praça Verde, o palco Brasil Independente aposta na diversidade da música brasileira; no espaço Rogaciano Leite, o palco Passarela é voltado para a música instrumental; o rock fica no Sesc Senac Iracema.

A rodada de negócios é o lugar para fazer contatos com produtores de eventos, festivais, selos e empresas que trabalham na publicação e prensagem de discos, na produção de videoclipes e tudo que se relaciona com a cadeia.

O Itaú Cultural participa da Feira da Música de Fortaleza na quinta e na sexta-feira, 19 e 20, exibindo dois documentários que tratam a música como forma de amenizar conflitos culturais e sociais: o iraniano Não é uma Ilusão, sobre a dificuldade que as mulheres têm de cantar publicamente no Irã, e o israelense Conhecimento é só o Início, sobre uma orquestra formada por jovens judeus israelenses e árabes.

SERVIÇO

IX Feira da Música de Fortaleza (CE) - De amanhã, 18, a sábado, 21, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Praia de Iracema) e entorno. A Feira tem visitação diária a partir das 15h, com shows a partir das 19h. Grátis. Outras informações: (85) 3262 5011.

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