sexta-feira, 3 de maio de 2013

A omissão estatal não vai se resolver apenas com a lei



Nas últimas semanas cresceu bastante o movimento em prol da diminuição da maioridade penal no Brasil. Muito disso por causa do assassinato banal e revoltante do jovem Victor Hugo Deppman, que foi baleado sem sequer ter reagido ao ato criminoso. Um assassinato frio e cruel, capaz de desencadear um grande sentimento de revolta. O criminoso era um adolescente de 17 anos, prestes a completar 18. Qual é a pena máxima que pode receber? Cerca de três anos em casa de custódia. Tal fato motivou uma entrevista coletiva do Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sendo favorável que se diminua a maioridade penal ou que aumente o período de internação e ganhou grande força no cenário político nacional, inclusive na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.

No entanto, mesmo que seja aprovada a nova maioridade penal, o que só será possível através de uma longa e árdua batalha constitucional, eu sinceramente acho que isso não vai mudar muita coisa. Não estou aqui defendendo menores infratores. Na verdade muito desses casos me revoltam e sempre tendo a valorizar mais a posição da família do que a do criminoso.

Porém, eu quero alertar para o populismo penal apregoado por governantes, parlamentares e polícia, que coloca a culpa da impunidade quase que exclusivamente na lei, alegando sua permissividade, e assim tentam esconder as limitações práticas e materiais do nosso sistema de segurança pública. Limitações que em boa parte não são culpa da lei.

Para pensarmos em segurança pública, temos que pensar no seguinte sistema:

Polícia Militar – Polícia Civil – Ministério Público – Judiciário (juiz que julga o caso) – Judiciário (juiz que preside a execução penal) – Estabelecimentos prisionais.

Em tese, o sistema de segurança pública deve funcionar assim:

A polícia militar é a responsável por fazer o combate ostensivo da criminalidade, sendo responsável pelo confronto direto e, quando bem sucedida, pela prisão do criminoso.

Após a prisão, o criminoso é encaminhado para a delegacia de polícia civil, onde poderá ficar preso e onde o delegado vai instaurar o procedimento administrativo de inquérito policial, que será responsável pra colher as provas que serão usadas para condenar o criminoso e assim fazer com que ele possa ir pra cadeia.

Investigação feita, a bola passa para o ministério público, que apura o inquérito e com base nas suas provas entra com a ação penal.

Iniciada a ação pena, o Juiz julga o caso respeitando o devido processo legal, que em linhas gerais (vai ter muito filósofo do direito morrendo com o meu reducionismo) é respeitar os direitos e garantias fundamentais do acusado que incluem procedimento legal, aplicação das leis vigentes ao tempo do fato, garantia de defesa, entre outras coisas.

Julgado o caso e condenado o meliante, a bola vai para o juiz da execução penal que irá determinar e supervisionar o cumprimento da pena nos moldes da sentença que condenou.

Condenado o réu e determinada a execução da pena, o criminoso irá para o estabelecimento prisional determinado pelo Juiz e lá terá que cumprir uma pena que terá a difícil tarefa de representar uma punição e, ao mesmo tempo, uma tentativa de recuperação do preso.

Dito isso, passamos analisar como todo esse sistema anda a beira da falência, usando em especial o caso do Estado do Ceará.

Policia Militar: combater o crime não é uma atividade nada fácil. Até o Batman se ferra algumas vezes, o que dizer dos nossos policiais. Porém, tudo fica mais difícil com o descaso das autoridades com a PM.  Segundo a ONU, a proporção ideal é de um policial para 250 habitantes. No nosso Ceará, esse número é 1 para 565 pessoas, o que representa o terceiro menor efetivo policialdo país. Soma-se a isso a insatisfação dos policiais com a forma que sua carreira é tratada pelo Governo do Estado, que culminou numa greve histórica gerando o dia mais tenso da história recente da nossa cidade (3 de janeiro de 2012 dá medo até agora). Adicionamos ainda o fato do uso da inteligência ainda ser bem precário dentro da secretaria de segurança pública, colocando reforço policial longe das regiões mais violentas (na verdade é até estranho falar de reforço quando o contingente geral é menor do que o necessário). Mas não acaba por ai, temos o caso de pessoas com ficha suja e que sequer fizeram o concurso para o Ronda entrando na corporação graças a uma absurda liminar dada por um juiz desta capital.

Polícia Civil: poucos policiais + estrutura precária (embora tenha melhorado) + muitos caso = trabalho mal feito. Cansei de ver inquérito policial mal feito, com erros de português, articulação ilógica dos fatos, provas dúbias e etc. Investigação mal feita é um passo pra impunidade. Não basta o policial saber que o cara é malaca, tem que ter prova pra condenar.

Ministério Público: poucos promotores, algumas cidades sequer possuem. Ainda temos o fato de eles serem abarrotados de processos, em quantidades quase irreais, além de serem um dos alvos favoritos de criminosos e políticos. O MP luta, mas a batalha sofrida. Com tanta precariedade, fica difícil dar a agilidade necessária para que a sensação de impunidade não impere.

Poder judiciário: aqui temos o que julga e o que determina a execução da pena. Segundo a OAB Ceará, 77 cidades no nosso estado estão sem juízes. São cidades com processo parado porque não tem ninguém pra julgar. Aqui em Fortaleza, as varas são abarrotadas de processos e um julgamento chega até cinco anos. Tudo isso gera um tramite ineficiente e com grandes chances de dar em pizza, pois, muitas vezes as provas não são concludentes, e a demora pode gerar até mesmo a prescrição. Além disso, quanto pior o serviço for feito, mas chance de dar brecha a recursos e assim demorar ainda mais. Passada condenação, temos o trabalho do juiz de execução penal, também conhecido como o pior trabalho do judiciário cearense. Até ano passado era uma única vara com juiz titular e outro substituto para dar de conta de todas as execuções penais do estado. Caramba, isso é impensável. Hoje o número é de três varas e a coisa ainda continua ruim. O mais engraçado é que se apoia a redução da maioridade penal, mas mesmo assim houve um corte de verbas de mais de 100 milhões de reais no Judiciário Cearense.

Como é possível fazer justiça assim? Por acaso é a lei que manda o judiciário ser precário? Sai pra lá governantes. Na avaliação do CNJ, a gestão do judiciário no nosso estado é muito ruim. 

Estabelecimento prisional: temos aqui a pérola da nossa segurança pública. É caro pra caramba, não consegue ressocializar quase ninguém, saindo muitas vezes pior, deixando todo mundo insatisfeito: presos, governantes e sociedade.

Ainda podemos somar a tudo que foi dito dois problemas graves no serviço público brasileiro: descaso e corrupção. São duas chagas que minam ainda mais a prestação do serviço público de segurança e faz imperar ainda com mais força a impunidade e a descrença no poder público.

Logo, vendo esse quadro lamentável da segurança pública, não dá pra acreditar que mudar a maioridade penal vá mudar tudo, como muita gente acredita de forma mágica. A polícia continuará precária, o MP sem estrutura, o Judiciário lento e as prisões sucateadas. É praticamente impossível chegar perto da noção de justiça com esse retrato da nossa segurança.

Pra mim, a população defender a redução da maioridade penal apesar do que foi dito não é um absurdo. Ela está com medo e acuada, além de um rancor muito grande. O problema são os responsáveis pela nossa segurança pegarem carona nesse discurso e desviarem o foco das suas responsabilidades. Não adianta a lei prever punições se o estado não tem a capacidade de punir.

O debate não acaba aqui. Não se encerra nas linhas acima. Muita água ainda vai rolar. Nos resta observar e não cair em discursos falsos e populistas, que fingem estar trabalhando seriamente na solução desses problemas.


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