Nas últimas semanas cresceu
bastante o movimento em prol da diminuição da maioridade penal no Brasil. Muito
disso por causa do assassinato banal e revoltante do jovem Victor Hugo Deppman,
que foi baleado sem sequer ter reagido ao ato criminoso. Um assassinato frio e
cruel, capaz de desencadear um grande sentimento de revolta. O criminoso era um
adolescente de 17 anos, prestes a completar 18. Qual é a pena máxima que pode
receber? Cerca de três anos em casa de custódia. Tal fato motivou uma entrevista
coletiva do Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, sendo favorável que se
diminua a maioridade penal ou que aumente o período de internação e ganhou
grande força no cenário político nacional, inclusive na Assembleia Legislativa
do Estado do Ceará.
No entanto, mesmo que seja
aprovada a nova maioridade penal, o que só será possível através de uma longa e
árdua batalha constitucional, eu sinceramente acho que isso não vai mudar muita
coisa. Não estou aqui defendendo menores infratores. Na verdade muito desses
casos me revoltam e sempre tendo a valorizar mais a posição da família do que a
do criminoso.
Porém, eu quero alertar para o
populismo penal apregoado por governantes, parlamentares e polícia, que coloca
a culpa da impunidade quase que exclusivamente na lei, alegando sua
permissividade, e assim tentam esconder as limitações práticas e materiais do
nosso sistema de segurança pública. Limitações que em boa parte não são culpa
da lei.
Para pensarmos em segurança
pública, temos que pensar no seguinte sistema:
Polícia Militar – Polícia Civil –
Ministério Público – Judiciário (juiz que julga o caso) – Judiciário (juiz que
preside a execução penal) – Estabelecimentos prisionais.
Em tese, o sistema de segurança
pública deve funcionar assim:
A polícia militar é a responsável
por fazer o combate ostensivo da criminalidade, sendo responsável pelo
confronto direto e, quando bem sucedida, pela prisão do criminoso.
Após a prisão, o criminoso é
encaminhado para a delegacia de polícia civil, onde poderá ficar preso e onde o
delegado vai instaurar o procedimento administrativo de inquérito policial, que
será responsável pra colher as provas que serão usadas para condenar o
criminoso e assim fazer com que ele possa ir pra cadeia.
Investigação feita, a bola passa
para o ministério público, que apura o inquérito e com base nas suas provas
entra com a ação penal.
Iniciada a ação pena, o Juiz
julga o caso respeitando o devido processo legal, que em linhas gerais (vai ter
muito filósofo do direito morrendo com o meu reducionismo) é respeitar os direitos e
garantias fundamentais do acusado que incluem procedimento legal, aplicação das
leis vigentes ao tempo do fato, garantia de defesa, entre outras coisas.
Julgado o caso e condenado o
meliante, a bola vai para o juiz da execução penal que irá determinar e
supervisionar o cumprimento da pena nos moldes da sentença que condenou.
Condenado o réu e determinada a
execução da pena, o criminoso irá para o estabelecimento prisional determinado
pelo Juiz e lá terá que cumprir uma pena que terá a difícil tarefa de
representar uma punição e, ao mesmo tempo, uma tentativa de recuperação do
preso.
Dito isso, passamos analisar como
todo esse sistema anda a beira da falência, usando em especial o caso do Estado
do Ceará.
Policia Militar: combater o crime
não é uma atividade nada fácil. Até o Batman se ferra algumas vezes, o que
dizer dos nossos policiais. Porém, tudo fica mais difícil com o descaso das
autoridades com a PM. Segundo a ONU, a
proporção ideal é de um policial para 250 habitantes. No nosso Ceará, esse
número é 1 para 565 pessoas, o que representa o terceiro menor efetivo policialdo país. Soma-se a isso a insatisfação dos policiais com a forma que sua
carreira é tratada pelo Governo do Estado, que culminou numa greve histórica
gerando o dia mais tenso da história recente da nossa cidade (3 de janeiro de
2012 dá medo até agora). Adicionamos ainda o fato do uso da inteligência ainda
ser bem precário dentro da secretaria de segurança pública, colocando reforço
policial longe das regiões mais violentas (na verdade é até estranho falar de
reforço quando o contingente geral é menor do que o necessário). Mas não acaba
por ai, temos o caso de pessoas com ficha suja e que sequer fizeram o concurso
para o Ronda entrando na corporação graças a uma absurda liminar dada por um
juiz desta capital.
Polícia Civil: poucos policiais +
estrutura precária (embora tenha melhorado) + muitos caso = trabalho mal feito.
Cansei de ver inquérito policial mal feito, com erros de português, articulação
ilógica dos fatos, provas dúbias e etc. Investigação mal feita é um passo pra
impunidade. Não basta o policial saber que o cara é malaca, tem que ter prova
pra condenar.
Ministério Público: poucos
promotores, algumas cidades sequer possuem. Ainda temos o fato de eles serem
abarrotados de processos, em quantidades quase irreais, além de serem um dos
alvos favoritos de criminosos e políticos. O MP luta, mas a batalha sofrida.
Com tanta precariedade, fica difícil dar a agilidade necessária para que a
sensação de impunidade não impere.
Poder judiciário: aqui temos o
que julga e o que determina a execução da pena. Segundo a OAB Ceará, 77 cidades
no nosso estado estão sem juízes. São cidades com processo parado porque não
tem ninguém pra julgar. Aqui em Fortaleza, as varas são abarrotadas de
processos e um julgamento chega até cinco anos. Tudo isso gera um tramite
ineficiente e com grandes chances de dar em pizza, pois, muitas vezes as provas
não são concludentes, e a demora pode gerar até mesmo a prescrição. Além disso,
quanto pior o serviço for feito, mas chance de dar brecha a recursos e assim
demorar ainda mais. Passada condenação, temos o trabalho do juiz de execução
penal, também conhecido como o pior trabalho do judiciário cearense. Até ano
passado era uma única vara com juiz titular e outro substituto para dar de
conta de todas as execuções penais do estado. Caramba, isso é impensável. Hoje
o número é de três varas e a coisa ainda continua ruim. O mais engraçado é que
se apoia a redução da maioridade penal, mas mesmo assim houve um corte de
verbas de mais de 100 milhões de reais no Judiciário Cearense.
Como é possível fazer justiça assim?
Por acaso é a lei que manda o judiciário ser precário? Sai pra lá governantes.
Na avaliação do CNJ, a gestão do judiciário no nosso estado é muito ruim.
Estabelecimento prisional: temos
aqui a pérola da nossa segurança pública. É caro pra caramba, não consegue
ressocializar quase ninguém, saindo muitas vezes pior, deixando todo mundo
insatisfeito: presos, governantes e sociedade.
Ainda podemos somar a tudo que
foi dito dois problemas graves no serviço público brasileiro: descaso e
corrupção. São duas chagas que minam ainda mais a prestação do serviço público
de segurança e faz imperar ainda com mais força a impunidade e a descrença no
poder público.
Logo, vendo esse quadro
lamentável da segurança pública, não dá pra acreditar que mudar a maioridade
penal vá mudar tudo, como muita gente acredita de forma mágica. A polícia
continuará precária, o MP sem estrutura, o Judiciário lento e as prisões sucateadas.
É praticamente impossível chegar perto da noção de justiça com esse retrato da
nossa segurança.
Pra mim, a população defender a
redução da maioridade penal apesar do que foi dito não é um absurdo. Ela está
com medo e acuada, além de um rancor muito grande. O problema são os
responsáveis pela nossa segurança pegarem carona nesse discurso e desviarem o
foco das suas responsabilidades. Não adianta a lei prever punições se o estado
não tem a capacidade de punir.
O debate não acaba aqui. Não se
encerra nas linhas acima. Muita água ainda vai rolar. Nos resta observar e não
cair em discursos falsos e populistas, que fingem estar trabalhando seriamente
na solução desses problemas.
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