"Vai ser o show mais dificíl de descrever numa postagem do blog!"
Tristes! |
Foi assim quem eu respondi ao meu amigo Rafael Kbça quando nós decidimos que ele irá postar sobre a viagem de São Paulo e eu sobre o show. E o show é o The Wall... Isso mesmo... The Wall... Não caiu a ficha cara.
A dificuldade se releva pela impossibilidade de transcrever em palavras o turbilhão de sentimentos e sensações que este espetáculo me proporcionou, cujas imagens continuam gravadas na minha memória como se eu tivesse acabado de sair dele e que a cada momento que fecho os olhos eu posso retornar para aquele momento tão especial.
Eu podia fazer uma resenha convencional, falando música por música, mas achei que esse não era o melhor caminho. Primeiramente porque todos nós já sabemos que o clássico álbum foi tocado na íntegra e do perfeccionismo do sr. Waters de fazer com que tudo saia milimetricamente perfeito. Em segundo lugar, porque esse formato de resenha pode ser encontrado em abundância pela internet e nos mais variados idiomas. Logo, não vejo como poderia fazer algo para acrescentar caso eu simplesmente repetisse a mesma fórmula.
The Wall Live é grandioso e por mais que eu soubesse disso ainda sim fui surpreendido.
Ao adentrar nas arquibancadas do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, ou simplesmente Morumbi, dou de cara com a impactante imagem e presença daquele muro enorme e branco, parcialmente levantado, que será o ponto principal do concerto. É algo emocionante e singular.
Mother, did it need to be so high? |
Emocionante porque o muro do Pink Floyd é um dos grandes símbolos do Rock. Quando começamos a entrar nesse meio musical, as lições introdutórias para o bom rock são contadas através de suas histórias marcantes, quase lendas urbanas, como o fanatismo inigualável da Beatlemania, dos shows intermináveis do Led Zeppelin, das performaces explosivas de Jimi Hendrix, o virtuosismo do Deep Purple e da obscuridade do Black Sabbath. Junto com essas histórias estão tantas outras e entre elas muitas vindas do Pink Floyd como o mítico show da Pompéia, do harmonioso Dark Side of The Moon, da gigantesca turnê do pulse e da famosa e conturbada história de The Wall. E de todas as histórias floydianas, The Wall é a que possui a assinatura mais forte de Roger Waters.
Singular porque até hoje eu me pergunto de onde veio tanta coragem de desenvolver um show onde é levantado um enorme muro entre o público e a banda, fazendo com que as personalidades dos músicos sejam suprimidas em prol da obra e da arte de The Wall.
Pois é, entrei e fiquei olhando fixamente para o muro, como se buscasse alguma mensagem nele ou como se estivesse tentando entender como algo que eu não tinha a menor esperança de ver acontecendo estava prestes a ser executado de maneira linda e brilhante.
Após esse momento de contemplação, começou a angustiante espera pelo show. Desta vez, sentados na arquibancada com plena visão do palco, o cansaço pouco nos abateu, restando apenas a ansiedade para nos deixar inquietos. Nossa localização no estádio era um tanto curiosa, pois ficamos logo abaixo do avião que é lançado contra o muro na música In The Flesh?, um dos momentos mais delirantes do show. ( Sério, o estádio só faltou vim abaixo com uma música tão forte e tanta pirotecnia que incluiu muitos fogos de artifícios, o citado avião e lança chamas. Perfeito)
Passado o tempo de espera, todas as luzes do estádio são apagadas e um trompete tocando de forma melancólica a melodia de Outside The Wall é a deixa para tudo que vai acontecer. Durante o show, o muro enriquece o espetáculo de forma quase sobrenatural com belíssimas imagens e projeções, todas pensadas de forma detalhada para ajudar a banda no papel de contar toda a história do personagem e suas experiências traumáticas que vão motivando a construção do muro, tijolo por tijolo. No lugar central do Palco, a enorme esfera característica dos shows do Pink Floyd, inclusive na fase pós-Waters, estava lá.
Quanto a estrutura do show, é algo impressionante. Não apenas o muro, como também os memoráveis bonecos, bandeiras, a enorme e talentosa banda que acompanha Roger, os enormes refletores que são projetados sobre o público, o inseparável porco (que dessa vez vem pintado de preto), o avião e os fogos de artifícios. Tudo é impressionante.
Porém, de todos os elementos técnicos, vale mencionar em especial o som. As experiências do Pink Floyd com o som quadrifônico são elevadas com um autêntico som surround, com diversas paredes de caixa de som espalhadas pelo estádio, fazendo com que o público fique cada vez mais imerso dentro do show.
Quem estiver lendo esse texto, pode ter percebido que mal falei de Roger Waters, mas ele não seria esquecido.
Roger Waters, ou como nós carinhosamente chamamos de Rogério Águas, se entrega de corpo e alma para a apresentação, mostrando-se firme e ciente de cada passo que deve ser dado e de como cada música deve ser vocalmente interpretada. Seu semblante envelhecido e cheio de rugas contrasta com seus gestos fortes e sua presença consegue atrair olhares compenetrados. Roger não corre, não pula, não se excede, não é virtuose, é apenas o homem certo para o show, o homem do The Wall.
Qual é a parte mais emocionante do show? Realmente eu não consigo selecionar uma parte específica. The Wall é uma obra para ser apreciada em sua completude e suas músicas se sucedem sempre aumentando a tensão e a carga emotiva de sua história.
Infelizmente, muitas pessoas na arquibancada não pareceram tão conectadas na mensagem e se resumiram a tirar fotos e ficar conversando durante a apresentação. Uma pena pra eles, pois muito do valor da experiência proporcionada por the wall fica perdida.
Por fim, encerro esse texto com a descrição de uma imagem marcante que não sai da minha cabeça e que, para mim, define bem a conexão de Roger Waters com a obra. Em Bring The Boys Back Home, Waters, isolado entre um imponente muro e um estádio completamente lotado, canta um dos temas mais intensos do álbum e em alguns momentos ele simplesmente abre os braços enquanto público e backing vocals fazem o serviço. Ali, sozinho, sem muro, sem óculos escuros e capa, sem o baixo, Waters se entrega completamente desarmado para o seu público e para o show, mostrando que as cicatrizes entre um músico de personalidade difícil e seu público as vezes fanático estão superadas.
Ps: quando criei esse blog, nunca imaginei que poderia resenhar esse show :D